domingo, maio 31, 2009

Fábio Zanon - Villa-Lobos Complete Solo Guitar


Olá, diletos e estimados leitores. Serei desmesuradamente lacônico nas vindouras linhas, pois, mesmo com o adiantado da hora – e mesmo sendo um dominical dia – tenho muito por fazer. De qualquer modo, não poderia deixar de pedir-lhes indultos. Afinal, as famígeras águas de maio já se findam e é somente agora que por aqui apareço. O fato é que estou a produzir materiais didáticos por aqui, o que – convenhamos! – (e utilizando, ao mínimo, um eufemismo) toma certo tempo desse que vos escreve.

Destarte, para que o mês não fique a dever-lhes sequer um mínimo álbum, trago-vos logo um pelo qual conservo desmesurado apreço. Certamente, pelo título da postagem já puderam inferir que se trata de um dos violonistas mais quistos e virtuosos da hodiernidade. Não obstante, existem outras razões pelas quais conservo tamanha admiração pelo trabalho de Zanon.

Sendo inenarravelmente objetivo, creio que são poucos os que não concordam que este álbum encerra, “tão e somente”, a “mais acertada” (entenda-se por isso que a interpretação veiculada no álbum é por muito elaborada, conservadora de uma agógica impecável) interpretação da obra violonística de Villa-Lobos que já tive a oportunidade de escutar. Pelo que, então, o Choro nº 1 ou os notáveis prelúdios se nos transfiguram, musicalmente, em expressões artísticas da mais alta e plurissignificativa estirpe?! Sem dúvida, é apenas um virtuose, cônscio da pluralidade da arte das seis cordas, entendedor da polifonia e do grande lastro interpretativo de Villa Lobos para nos brindar com tão mirífica interpretação.

Não há dúvidas de que se trata de um hiperbólico e nada mesurado discurso. Entretanto, aqueles que promoverem uma atenta e densa audição das peças interpretadas pelo emérito Zanon, provavelmente não apresentarão opiniões tão distintas da que esta que por ora leem aqui. Ademais, quero crer que a obra de Villa Lobos é uma das mais interpretadas e gravadas ao redor de nosso “mundializado” globo. Mesmo assim, jamais fora representada em toda sua magnitude e densidade como aqui.

O vindouro mês, caros amigos, trar-lhes-á outros indispensáveis e magníficos álbuns. Perdoem, novamente, o incurioso hiato...


Disclist:

1. Suite Populaire Bresilienne, Mazurka-Choro
2. Suite Populaire Bresilienne, Schottish-Choro
3. Suite Populaire Bresilienne, Valso-Choro
4. Suite Populaire Bresilienne, Gavota-Choro
5. Suite Populaire Bresilienne, Chroninho
6. Suite Populaire Bresilienne, Choros No. 1
7. Five Preludes, No. 1 In E Minor
8. Five Preludes, No. 2 In E Major
9. Five Preludes, No. 3 In A Minor
10. Five Preludes, No. 4 In E Minor
11. Five Preludes, No. 5 In D Major
12. Twelve Etudes, No. 1: Anime
13. Twelve Etudes, No. 2: Tres Anime
14. Twelve Etudes, No. 3: Un Peu Anime
15. Twelve Etudes, No. 4: Un Peu Modere
16. Twelve Etudes, No. 5: Andantino
17. Twelve Etudes, No. 6: Un Peu Anime
18. Twelve Etudes, No. 7: Tres Anime - Modere
19. Twelve Etudes, No. 8: Modere
20. Twelve Etudes, No. 9: Un Peu Anime
21. Twelve Etudes, No. 10: Anime - Lent - Modere - Anime - Tres Anime
22. Twelve Etudes, No. 11: Lent - Anime
23. Twelve Etudes, No. 12: Un Peu Anime

FABIO ZANON - THE COMPLETE SOLO GUITAR MUSIC VILLA-LOBOS

PARTE I
PARTE II

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domingo, abril 19, 2009

Consternações e Preocupações - Adeus ao rútilo Universo Violonístico

Essa será a primeira (possivelmente, a única) postagem de nosso bom blog em que não lhes trarei quaisquer materiais, pautas ou afins. De fato, o que lhes disponibilizo é uma profunda e inenarrável consternação pelo impingido fechamento do estupendo blog Universo Violonístico, que pertencia (pertence?) ao nobre e estimado Yuri.

Com efeito, a existência de nosso blog se deve a escassez e profunda carência de materiais para a arte das seis cordas. Confesso que, mesmo tendo empreendido estudos acadêmicos na área das Belas Artes, ainda sentia certa privação em alguns pontos, sobremaneira naqueles ligados a audição de peças para o violão. O agravante era que eu residia (ainda resido, diga-se) na capital de meu estado, e não em uma cidade do interior. Por suposto, muitas cidades interioranas são até mais bem providas e abastecidas de materiais do que as capitais. Mas o ponto é o seguinte: se eu, que estava recém-formado em um curso de Música, não tinha acesso a determinados materiais para dar aulas, ampliar meu universo de conhecimento e, enfim, aculturar-me de alguma forma; que seria, então, do indivíduo ainda mais carente do que eu? Aí é que surgiu a ideia deste blog.

Não possuo - e tampouco esse é meu intento – qualquer vínculo pecuniário com este blog. Ao contrário, ao mais das vezes tenho mesmo de me desdobrar, deixar tarefas de lado, procrastinar compromissos, tudo para conseguir trazer os materiais que julgo serem pertinentes aos leitores. Posto os materiais aqui desprovido e despido de todo e qualquer desígnio monetário. Portanto, não posso ser acusado de promoção da pirataria. O que os nobres amigos deveriam fazer, após o download, é tão e somente o uso privado de tais materiais. Se algum dos leitores porventura utiliza esse telmático meio para a difusão dos bens culturais, infelizmente não podemos fazer nada – haja vista sítios como o YouTube ou o Scribd.

O fato é que, tal como eu, o nobre amigo Yuri também não possuí(a) a tenção locupletada com o blog. Apenas é de interesse de ambos que a arte das seis cordas seja ainda mais difundida e estimulada. Muitos são os que nos escreveram agradecendo, incentivando, promovendo e, por suposto, reclamando. Contudo, foram conversas amigáveis e, na medida do possível, dialéticas, desprovidas da ubíqua ignorância que parece cingir esse tão interessante meio que é a internet.

E vejam só: o Universo Violonístico teve de, infausta e consternadoramente, fechar suas virtuais e tecnicistas “portas”. Todos que quiserem ir lá e ler os deliciosos e pontuais textos do nobre Yuri, consubstanciar os bons materiais lá divulgados e sedimentar sua erudição pessoal, enfim ... encontrarão apenas o desolador quadro da intolerância a iniciativas que visam o crescimento e a consubstanciação do saber. É, ao mínimo, deveras triste que a tepidez discursiva e mental de alguns levem a decadência de outros.

Não te aflijas, nobilário e estimado Yuri: guindou, ao máximo que conseguiu, o nobre lugar desse mirífico instrumento que é o violão. A exitosa existência do Universo Violonístico deixou a todos um legado de conhecimento e esplendor. Seu derradeiro fechamento produzirá uma existência lacunar e irrecuperável ao Universo das seis cordas.

Continuemos, pois, com o nosso bom espaço ...

sexta-feira, abril 17, 2009

Antigoni Goni - Barrios Guitar Music

Começo a crer que o tempo seja um artigo raro, pois em extinção. A tenção de postar esse álbum partiu, acreditem, na passada semana e, apenas agora, depois dos feriados pascoais, é que consigo por aqui passar. De qualquer modo, espero que perdoem a incúria e aceitem os presentes de páscoa atrasados.

Com esse excelente álbum, novamente de Antigoni Goni, serei sectário do discurso economiástico, uma vez que já discorremos (e muito, diga-se) sobre as preexcelentes e virtuosas qualidades violonísticas dessa intérprete. Atentarei, pois, tão e somente para algumas “excrescências”, as quais podem e devem ser ressaltadas, uma vez que se ressuma aí a verdadeira realização estética e sonora desse álbum e de suas interessantes interpretações.

Como notaram pelo arquilexema dessa postagem, Goni interpreta o notável compositor paraguaio Augustín Barrios. Na condição de sul-americanos, temos uma grande e profunda familiarização com essas peças, as conhecendo ainda nos primeiros anos (diria, até, que anteriormente aos estudos propriamente ditos) de contato com a escola erudita do violão. Contudo, Goni – como bem o sabem – provém de latitudes que não ensejam tal consubstanciação musical. Creio que seja justamente nesse ponto que se manifeste, de maneira mais do que evidente, a virtuosidade e agudeza da intérprete.

De fato, a violonista grega traz para a interpretação das peças uma exitosa qualidade técnica. Basta promover a audição da belíssima peça Maxixe, que abre o álbum, ou o trêmolo Un sueño en la floresta. Aos nossos ouvidos, tão acostumados com as peças e o estilo de composição de Barrios, a interpretação de Goni poderá soar um tanto ... amorfa. Contudo, essa será apenas uma réproba e nada feliz análise da excelente interpretação dessa violonista. É interessante notar com que grandiosidade e eloqüência Goni executa as peças do grande Barrios. Por suposto, já nos é mais do que conhecida a obra desse compositor. Não obstante, faz-se premente o conhecimento de intérpretes da envergadura de Goni, a executar obras da estatura de um Barrios.

O repertório, do mesmo modo, foi escolhido de modo a salientar as características correspondentes às idiossincrasias interpretativas da violonista. Peças como a valsa 4 da Opus 8 ou a própria suíte andina, carregadas de expressividade e densidade, são munificentes com as mãos de Goni.

Enfim. Um álbum para deleitar vossas audições.

Disclist:
01 - Maxixe
02 - Un sueño en la floresta
03 - Vals, Op. 8, No. 4
04 - Humoresque
05 - Sarita (Mazurka)
06 - Madrigal - Gavota
07 - Vidalita con Variaciones
08 - Junto a tu corazón - Valsa
09 - Mabelita
10 - Tu y Yo (Gavota romántica)
11 - Villancido de Navidad
12 - Pepita
13 - Suite Andina - Aconquija
14 - Suite Andina - Aire de Zamba
15 - Suite Andina - Córdoba
16 - Suite Andina – Cueca

ANTIGONI GONI – BARRIOS GUITAR MUSIC

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domingo, abril 05, 2009

Antigoni Goni - John Duarte Guitar Music


Eis-me aqui, novamente – confesso que com desmesurada alacridade. De fato, todos os envolvidos com esse bom espaço virtual – principalmente esse que vos escreve – estavam dele sentido grande falta pela absoluta inópia que pairava por essas terras tecnicistas. Creio, ao menos, que expliquei os nada faustos motivos que me levaram a tal delongada ausência. Aproveito, pois, o ensejo para agradecer as mensagens que se me enviam. Por suposto, são elas – além de muitas outras – as “culpadas” pelo (espera-se veementemente) ininterrupto retorno. Mas deixemos de elegias passadas, e vamos as odes!

Recentemente, adquiri alguns bons títulos de nossa já conhecida série do selo Naxos. Aos mais desavisados, que ainda não puderam reparar, estou a disponibilizar alguns álbuns dessa coleção há algum tempo. Isso se dá, truisticamente, pela alta qualidade sonora dos discos, pela excelente seleção dos compositores e, primordialmente, em virtude da grandiloquência dos violonistas intérpretes. Tratam-se, portanto, de verdadeiras experiências estéticas no fluxo de obras interpretadas e na virtuosidade dos violonistas apresentados.

É o fortuito caso do presente álbum que vos trago. É interessante notar, nessa particular condição, que ambos compositor e violonista são, de fato, muitíssimo pouco apreciados pela crítica – além de verdadeiros ignotos para o carente público brasileiro. John Duarte, autor das peças interpretadas nesse álbum, foi um profícuo compositor hodierno. É consternador o fato de que muitos diletantes de nosso estimado instrumento desconhecem a obra de Duarte. A herança musical do autor chega as 200 obras – dentre as quais destaco a magnífica Sonatina. Ademais, em se tratando de um contemporâneo, (Duarte faleceu, salvo engano, em 2003) faz-se necessária a difusão de sua obra. Afinal, em tempos tão confusos e em nada munificentes para música clássica, torna-se imprescindível ao intérprete a densidade das composições de Duarte.

É precisamente aí que surge o nome de Antigoni Goni. Outorgava o desconhecimento quanto ao trabalho dessa violonista, até o contato com esse álbum. Bem, por suposto assertar que o desconhecimento era total pode ser, também, uma imprecisão. Nos ledos anos de academia, um saudoso e eminente professor havia resvalado, quase acidentalmente, no ortônimo de Goni. À época não me recordo em ter empreendido quaisquer audições dos trabalhos dessa violonista, mas eis que o dia chegou. Percebe-se, mesmo através de uma superficial análise das interpretações, que Goni conserva um invejável traquejo com as seis cordas, utilizando-se frases bem construídas, apoiada em sólida técnica, o que termina por revelar grande eloquência e verdadeira riqueza do som.

O quadro, aliás, não poderia ser diferente. Afinal, o que se poderia esperar de uma professora da Juilliard? Contudo, tal excelso grau de reconhecimento não foi inopinado. Antes, erigiu-se por meio de uma maturação musical que se encetou aos nove anos de idade. Antigoni Goni provêm de um ecossistema cultural que é (para utilizar um estólido eufemismo) planturosamente suntuoso. Tal violonista é Grega, estudou no famigerado Conservatório Nacional de Atenas (lembre-se de Elena Papandreou) e recebeu de tal conservatório o diploma de solista. Ulteriormente, mudou-se para Londres, onde teve aulas com o esplendecente Julian Bream e também com o grande músico John Mills. Um violonista que tenha estudado com qualquer um desses preexcelentes músicos é, sem dúvida, um estupendo instrumentista. Como se não bastasse, a orientadora do mestrado de Goni foi a também virtuosa Sharon Isbin. Desse modo, percebe-se que das entrelinhas das interpretações de Goni emana um profundo conhecimento musical, aliado a uma técnica invejável e precisão de toque.

Posto isso, o presente álbum é duplamente encantador. Primeiramente, por trazer as peças do preclaro John Duarte, especialmente sua Sonatina – uma verdadeira realização estética e musical. Secundariamente, o disco revela o trabalho de um dos ortônimos de maior qualidade e virtuosidade da atualidade. Assim, Goni transfigura todo o fecundo e belo macrocosmo de Duarte para o gracioso e fruitivo microcosmo de seu instrumento. O corolário dessa fusão é o presente álbum.

Disclist:
Suite piemontese, Op. 46
1. I. Pastorale
2. II. Canzone
3. III. La Danza

Toute en ronde, Op. 57
4. I. Ritual Dance
5. II. Waltz
6. III. Spring Dance

Musikones, Op. 107
7. I. Terpsichore I
8. II. Erato
9. III. Terpsichore II
10. IV. Euterpe
11. V. Terpsichore III

English Suite, Op. 31
12. I. Prelude
13. II. Folk - song
14. III. Round Dance

Variations on a Catalan Folk Song, Op. 25
15. Variations on a Catalan Folk Song, Op. 25

Birds, Op. 66
16. I. Swallows
17. II. The Swan
18. III. Sparrows

Homage to Antonio Lauro (Three Waltzes)
19. I. Moderato, con grazia
20. II. Andante espressivo
21. III. Rondo

Sonatinette, Op. 35
22. I. Con anima 00:01:35
23. II Con delicatezza 00:02:28
24. III. Vivo 00:02:19


ANTIGONI GONI – JOHN DUARTE GUITAR MUSIC.

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sexta-feira, abril 03, 2009

Norbert Kraft - 19th Century Guitar Favourites


A música oitocentista é, de fato, uma das mais expressivas e instigantes de toda a história musical. Indubitavelmente, esse discurso axiomático – quiçá apologético – pode revelar, da parte desse que vos escreve, certa oligofrenia. De forma a tranqüilizar-vos, faremos uma breve, talvez mínima, incursão sobre o aspecto sociológico da música de tais idos.

Fernando Sor, Francisco Tárrega e Dionísio Aguado são, por suposto, uma tríade que remonta aos melhores e mais faustos momentos de nossa amada arte das seis cordas. Não obstante, seria uma incúria e desmesurada irresponsabilidade olvidar nomes como o de I. Albeniz, A. Cano, J.K. Mertz, Schumman, entre incomensuráveis outros. Mas o fato é que o blog é, de certo modo, deveras curto – tal qual a sagacidade desse fúfio ser que vos escreve. Portanto, fiquemos apenas com a tríade anaforicamente citada. As obras do espanhol Fernando Sor foram (são!), na falta de melhor epíteto, absolutamente importantes para o desenvolvimento de todo e qualquer violonista que almeje um maior controle sobre seu instrumento. Prova disso são os famígeros e belíssimos dez estudos, separados pelo egrégio A. Segóvia, há longo e incontável tempo. De fato, os tais estudos mostram um compositor muito afinado com a estética de sua época, que apregoava formas musicais mais expressivas, a par da normatividade e logicidade “estrutural” classicista – além de ensejar a tão estereotipada subjetividade, que apontava para modulações entre tons mais distantes (diferente do que ocorria nos períodos anteriores), com sobrelevada atenção à harmonia e ao ritmo (caso das Op. 6, 31 e 35).

Conterrâneo de Sor, Dionísio Aguado também compôs séries didáticas para o violão, pois sabia da premente necessidade de enaltecer sua demiúrgica arte e de melhor preparar os (poucos, diga-se) violonistas de então. É interessante notar que muitas das reflexões de Aguado sobre a “ergonomia” do instrumento são até hoje utilizadas – levo-me a crer que a mais difundida seja a do preclaro e polêmico apoio para o pé, ou aos mais íntimos, tão-somente “banquinho”. Ademais, várias foram suas contribuições: posições de ataque, reestruturação do cavalete do instrumento, e – segundo dizem alguns – até mesmo os harmônicos oitavados teriam surgido por sua sagaz influência. De todo modo, o que Aguado produziu de verdadeiramente significativo foram suas obras. Além de realizações estéticas verdadeiramente magníficas, são peças didáticas que englobam todo um interessante aspecto do instrumento. Por tal razão, muitas de suas obras – assim como as de Fernando Sor – conservam um alto grau de dificuldade, que são potencializados pelo excelente domínio, do compositor, de seu instrumento.

Francisco Tárrega, instigante e coincidentemente conterrâneo dos dois compositores supracitados, é um caso a parte. Além de dispensar quaisquer apresentações (uma vez que sua vastíssima obra o precede) conserva em suas peças o que de melhor se pode encontrar em nosso feérico instrumento. Por suposto, alguns quererão ver nessas afirmações tão e somente um discurso laudatório ao tal virtuoso compositor, o que não deixará de ser verdade. Contudo, Tárrega não é apenas um grande compositor, instituidor da eufonia nas seis cordas. Com efeito, é possível verificar na obra do ilustre violonista toda uma gama de significantes que, de uma maneira ou outra, conferiram ao instrumento o status quo de que, hodiernamente, ele é detentor. Levo-me a crer que nenhum de vós, caríssimos e nobilários leitores, são caudatários de comparações escusadas e absolutamente escalafobéticas. Há, por certo, comparações necessárias, que apenas engrandecem os objetos cotejados. E eis aí, pois, o caso de Tárrega com os grandes nomes “contemporâneos” (ou, ao menos, com maior proximidade histórica) ao seu. Assertam, destarte, ser o magnífico compositor o que foi um Liszt, um Chopin ou um Schumann para seus instrumentos. Confesso olhar com ressalvas o estabelecimento de tal paralelo. Mas não se pode deixar de reconhecer a virtuosidade e absoluta importância para a história musical de todos os nomes elencados.

Como se pôde perceber, a música produzida sob a égide “oitocentista” – quem sabe “Romântica” – (valendo-se do bom e velho clichê cartesiano) “foi, é e será” muito plural e significativa. Utilizemos, pois, o epíteto de “música do séc. XIX” para nos referirmos à produção citada. A Espanha possui, sem dúvida alguma, uma memória musical absolutamente invejável. E os anos oitocentistas apenas resgataram esse passado fascinante. Desde a auto-afirmação nacional Albeniz (basta nos lembrarmos de Iberia), passando pela expressiva e proficuamente didática obra de Sor e, finalmente, realizando-se plenamente na obra de Francisco Tárrega, o movimento musical que abrange o século XIX – sobremaneira, o Espanhol – é vividamente precioso e estruturalmente imprescindível para as estéticas ulteriores. Lembremo-nos, ainda, da figura de um Manuel de Falla, compositor simbioticamente ligado ao Impressionismo – e, posteriormente, ao neoclassicismo de Stravinski – e que produziu obras de inenarrável importância, como Homenaje. Infaustamente, temos de ficar apenas com o séc. XIX, o que não permite maior incursão sobre a música espanhola.

Talvez esteja acometido por uma sensação incômoda, ou a verdade se encontre irremediavelmente pronunciada, mas parece haver vestígios, nesse texto que por ora escrevo, de que não fui tão claro quanto deveria ou poderia. E isso é bom! Afinal, o nosso escopo, aqui, não é discorrer sobre a historiografia musical oitocentista na Espanha. Antes, é apreciar, criticamente, a interpretação de um virtuoso violonista de tais obras. Norbert Kraft, nesse aspecto, foi providencial. Conseguiu transfigurar para suas interpretações todas as vicissitudes presentes nas entrelinhas de cada estudo de Sor e Aguado, executados com acuro e gravidade. Ademais, as soberbas obras de Tárrega, presentes no álbum, soam maviosamente singulares, em nada deslocadas da atmosfera grandiloquente, faustamente ordinária nas peças desse ilustre compositor.

Seria impossível, diletos leitores, esperar menos de Kraft. Essa asserção parte não somente da apreciação da obra desse prestímano violonista. Antes, decorre da análise de algumas de suas atitudes como cultor da arte das seis cordas. Sem dúvida, a mais sublimar delas foi a criação do selo Guitar Collection, veiculado a renomada gravadora Naxos. Com efeito, não foi Kraft quem de fato desenvolveu tal projeto. Mas é ele quem supervisiona a seleção de obras e intérpretes para tal selo. Não conservo nenhuma queixa para com tais critérios – no que, creio, sou seguido por muitos leitores de nosso bom espaço.

Deixo-vos, pois, com o bom disco. A tenção é que apreciem ainda mais e dilatem a compreensão e magnitude das peças produzidas no século XIX. Confesso-me, assim, um verdadeiro entusiasta desse período musical – sobre o qual, aliás, já escrevi e discorri bastante, quando ainda fazia parte do universo acadêmico. Remeto-vos, pois, a uma precípua leitura acerca do Romantismo musical. Trata-se do excelente ensaio de Bruno Kiefer, intitulado O Romantismo na Música. Eis a referência completa: KIEFER, B. O Romantismo na música. In: O Romantismo, GUINSBURG, J. Perspectiva, 1985.

Dada a grande extensão do DISCLIST, reporto-vos ao LINK onde o podem encontrar.

NORBERT KRAFT – 19th CENTURY GUITAR FAVOURITES.

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sexta-feira, março 27, 2009

Norbert Kraft - Guitar Concertos

Hodiernamente é com consternadora regularidade que se pode notar certo descompasso entre a música clássica e sua audiência. Com efeito, acurando-se um pouco o estudo, o que exige certa cautela para que não se emitam opiniões taxativas e tendenciosas, vê-se, pois, que a música erudita é estranhamente segregada dos meios culturais massificadores. Certamente, não há como tornar um discurso tão compósito como o da música erudita em algo massificado, genérico e, por consequência, descartável. Mas esse sempre foi (é e ainda será) um ponto que erige grande celeuma no universo da música.

De qualquer modo, quando ainda era um diletante – de fato, nunca o deixei de ser; mas hoje conservo, digamos, um maior discernimento e criticidade em relação ao que ouço – me impressionou deveras a audição de tal concerto, em que um excêntrico musicista empunhava um instrumento conhecido, em uma então inconcebível posição. O fato é que a música que dali espraiou-se foi de tal forma hipnotizante e mirífica, que compreendi a razão da dificuldade em se apreender todos os meandros da arte das seis cordas. A peça era, por suposto, o famigerado Concierto de Aranjuez.

Indubitavelmente, o executante de tal distinto e saudoso momento de minha pregressa existência era ignoto – e talvez o continue sendo. Não obstante, a pluralidade e ousadia da peça ficou-me indelével na memória. Ulteriormente a esse idílico momento, tive a oportunidade de vislumbrar uma execução dos concertos para violão do extático Villa Lobos. O movimento Cadenza (Andatino e Andante) é especialmente magnífico. Ali tive a certeza de que a música erudita era, imperativamente, a grande força que demove o nosso pantalifúsio universo. Pois que lancei o repto: já que a música clássica não recebe lá a sua devida e mais do que merecida atenção, que se escutem suas mais proeminentes e significativas criações. O óbice é que estamos a falar de um instrumento historicamente segregado e melindrado dos grandes palcos e afins.

De qualquer modo, como puderam vislumbrar pelo título, hoje teremos o grande prazer e desmesurada honra de empreender uma audição desses variados concertos. Extraiamos daí, pois, nossas conclusões – que certamente enaltecerão tanto violonista quanto compositores.

Pressuponho, salvo engano (como diria um grande crítico) que já lhes trouxe em outra oportunidade um álbum do virtuoso Norbert Kraft. Naquela ocasião lhes direcionava para as críticas (indevidas, a meu ver) que esse intérprete sofria por gravar composições de Villa Lobos. Eis que novamente ele o faz, e com a mesma qualidade e maestria. É de se notar o grande acuro da produção deste álbum, gravado, truisticamente, em conjunto com a célebre northern chamber orchestra, que conserva o igualmente notável violinista Nicholas Ward como seu diretor. De fato, a soma dos elementos não poderia produzir música mais vigorosa, espontânea e jubilosa. O programa traz obras de três compositores distintos, que revelam diferentes momentos da música de concerto produzida para o violão – o que denota, por si só, a extrema dificuldade do repertório e imprescindibilidade do conhecimento acerca da arte das seis cordas.

Mario Castelnuovo-Tedesco, Joaquin Rodrigo e Heitor Villa-Lobos. Escalas mais do que céleres, complexo trabalho da mão esquerda, discurso polifônico é o que, entre indefiníveis conceitos, os tais autores rememoram. Sem dúvida, o grau de maturidade musical de um intérprete que se atreva a executá-los deve transcender o que se possa compreender por “alto”. Ademais, é necessária grande desenvoltura com uma orquestra, o que exige anos de prática e um ouvido treinado às matizações das várias vozes. Portanto, não se pode dizer que Kraft não possua qualidades, ao mínimo, apreciáveis. Levo-me a crer, de qualquer forma, que para um violonista com a experiência de Kraft isso não deva lá ser tão complicado – afinal, o repertório de gravações dele é amplamente variado.

Retomando o que no começo expusemos, talvez a música erudita conserve a áurea de “difícil, impenetrável e complexa” apenas por possuir mais virtudes do que defeitos. De fato, é improvável que se enxerguem tantas incongruências nas obras de Villa Lobos ou de Castelnuovo-Tedesco quanto nas de um conjunto de hodierno conjunto de rock. De uma forma ou outra, a produção erudita para o instrumento por nós apreciado não pode e tampouco merece ser olvidada e aviltada. É caso, pois, de que ouçamos a inter-relação estabelecida entre a produção para violão solo e aquela que abrange outros instrumentos. Por suposto, a orquestra sofre certas limitações por estar ao lado de um instrumento como o violão. Entretanto, são potencializados aspectos outros, impossíveis no violão solo, como movimentos mais densos e diversificados, orquestrações concisas e sólidas, etc.

Escutamos, enfim, uma verdadeira inserção do violão num patamar de igualdade com os demais instrumentos. Ademais, a fusão de um violonista maduro e virtuoso com uma orquestra competente e comprometida podia, tão e somente, gerar o álbum que agora irão sensorialmente experienciar. E viva a música erudita, especialmente a produzida para o nobilário violão!

Disclist:

RODRIGO: Concierto de Aranjuez

1 Allegro con spirito
2 Adagio
3 Allegro gentile

VILLA-LOBOS: Concerto for Guitar and Orchestra

4 Allegro preciso
5 Andantino e Andante: Cadenza
6 Allegretto non troppo

CASTELNUOVO-TEDESCO:

Concerto for Guitar and Orchestra No. 1, Op. 99

7 Allegretto
8 Andantino alla romanza
9 Ritmico e cavalleresco - Quasi andante - Tempo I


Link: NORBERT KRAFT - GUITAR CONCERTOS.

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sexta-feira, março 20, 2009

Dilermando Reis - Abismo de Rosas

É com real regozijo e inenarrável alegria que, enfim, volto-lhes a escrever neste bom e estimado espaço virtual. Confesso-lhes o quão pungentes e consternados foram os dias que por aqui não pude passar, deixando linhas e álbuns necessários ao espraiamento de nossa nobilária arte das seis cordas. É interessante notar a variedade e multiplicidade de blogs violonísticos que pululam nos virtuais meios tecnicistas. E, ainda assim, existem diversos leitores e freqüentadores deste nosso espaço que estão verdadeiramente ofendidos pelo precipitado e incurioso abandono. Levo-me a crer que sejam imprescindíveis algumas notas explicativas a fim de que não se encete qualquer celeuma.

Para aqueles que dispõem de maior tempo (e paciência, também), a nossa orkutiana comunidade revelou os motivos de minha indesculpável ausência. Lá expus, com a clareza e objetividade que merecem as explicações, os motivos de tão prolongada ausência. Eis que vos trago, pois, ipsis literis, as linhas de outrora e, aproveitando o ensejo, acrescento mais algumas. O fato é que meu velho pai sofreu um grave acidente. Antes que os pruridos leitores se exaltem, eis que vos acalmo. O acidente não foi, de modo algum, irreversível e tampouco envolvendo outros entes. Mas vamos aos fatos: quando asserto ser ele de uma idade já avançada, não estou a utilizar qualquer veleidade discursiva. Pelo contrário, meu demiúrgio progenitor fez 8 decênios em novembro passado. Com efeito, toda família possuí uma pessoa que apresenta avançada e delicada idade. Posto isso, sabem o quão difícil e sensível é a saúde de uma pessoa que apresente tal longo tempo de existência. De qualquer forma, quero crer que os anos se lhe tornaram um tanto quanto insuportáveis e terrivelmente pesados. Meu estimado pai sofreu um enfarto e, no período em que internado se encontrava, mais três AVCs. Não é necessário dizer a profundidade de meu desespero e preocupação. Larguei às drosófilas não apenas nosso estimado espaço virtual, como parte de minha existência pragmática. Graças aos deuses, rezas e pedidos, hoje ele descansa ao som de Dilermandos e Nazareths, que pacientemente executo para ele (ou, em uma leitura menos idílica, ele escuta no computador).

Bem sei que os problemas de minha azafama vida não lhe competem. De qualquer modo, melindrei as vicissitudes daqueles que enxergavam nesse espaço o local de união, de fusão entre interesses semelhantes e esperanças duradouras. Afinal, o derradeiro propósito deste blog, deste o início, foi o de proporcionar para aqueles que (tal qual esse que vos escreve) possuem o indevassável apreço e desmesurada paixão pelas seis cordas violonísticas. Jamais intentei vilipendiá-los. Contudo, por forças maiores do que pude suportar, tive de atentar para necessidades mais prementes, que demandavam soluções. Mas o tempo, como diria o filósofo, é providente. Eis-me aqui, mais uma vez, a lhes embarafustar com tantas linhas e álbuns. Dessa vez, prometo-lhes, será ininterrupto o meu trabalho. Pois que o refundemos!

O álbum de hoje é absolutamente significativo. Como lhes disse anaforicamente, escutei e estudei, durante muitos meses, a obra de Dilermando Reis. É bem verdade que a influência é, como quer Harold Bloom, um exercício de desleitura. Encetei minha vida musical ainda bem jovem, deslumbrado com as possibilidades de sete singelas notas. E como apresentava certa intolerância à vida social, a música como se tornou algo mais do que natural. O violão apenas tornou-se subseqüente. Meu velho pai já há muito apreciava a plenitude harmônica das interpretações do bom Dilermando. E lá fui eu, a estudar a nobre arte das seis cordas, influenciado por meu pai. A desleitura é um processo interessante. Por diversos anos, realmente não compreendia e cheguei ao incompreensível extremo da ojeriza para com Dilermando. Com o tempo, o ouvido vai-se delineando, os professores vão-lhe aprimorando e ... pronto! Dilermando tornou-se uma grande referência e influenciador de muitos estudos.

O álbum que agora vos trago apresenta muitas das qualidades que tornaram Reis conhecido e admirado: repertório exuberante, interpretação penetrante, percepções sonoras verdadeiramente invejosas, enfim, um dos mais caleidoscópios retratos das infinitas possibilidades presentes em seis modestas cordas. Os que já estudaram a suntuosa música brasileira violonística, invariavelmente depararam-se com obras deste virtuoso violonista. Coral del Norte, a segunda faixa deste álbum, é uma delas. Não obstante, tal composição não é de Dilermando Reis, mas sim do egrégio compositor argentino Juan Rodriguez. É interessante atentar para o fato de que tal gravação, à época de Dilermando, não era conhecida pelas América portuguesa. É graças a sua gravação (com algumas pequenas alterações da obra original) que Coral del Norte foi difundida por aqui. Tal composição é magnífica e torna-se ainda mais mirífica na interpretação desse primoroso violonista. O compasso (que aos meus ouvidos soa em 6/8) traz uma sonoridade inconfundivelmente Castelhana, alternada com momentos de certa profundidade, de exploração de distintos acordes. Sem dúvida, essa não é a única peça conhecida: lá estão Magoado, Marcha dos Marinheiros, Uma valsa dois amores, a faixa homônima e outras preciosidades. Como diria um saudoso professor: “apenas o oligofrênico é que não compreenderá a magnitude de Dilermando Reis”. Não sei se concordo com tão hiperbólico pensamento, mas reconheço o poder hipnótico dos dedilhados de Reis. É interessante atentar para as proporções harmônicas da excelente transcrição de Beethoven (sonata ao luar) presente ao final do álbum. Em suma: um álbum para “reinaugurar” nosso bom blog e para deleitar os ouvidos dos queridos leitores. Pois que aproveitem!

Disclist:
01 – Marcha dos Marinheiros
02 – Coral del Norte
03 – Sons de Carrilhões
04 – Noite de Luar
05 – Magoado
06 – Granadina
07 – Abismo de Rosas
08 – Adelita
09 – Tristesse
10 – Uma valsa dois Amores
11 – Sonata ao Luar
12 – Ruas de Espanha

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